A recuperação judicial de sociedades não empresárias toma relevo pelo teor do artigo 1º da Lei nº 11.101/2005, uma vez que inaugural artigo da lei limita a aplicação da recuperação judicial ao empresário e à sociedade empresária, não dando espaço, pelo rigor literal, a utilização da medida por outros tipos societários.
Muito embora o debate da ampliação do rol de sujeição da medida não seja novo, os argumentos expansivos ganharam corpo pela recente decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.800.032, relativa ao cabimento da recuperação judicial de produtor rural.
Nesta decisão vanguardista, a Corte Superior, interpretando os dizeres do artigo 48 da Lei 11.101/2005, em apertada síntese, entendeu que comprovado o exercício da atividade rural há mais de dois anos e havendo a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, mesmo que posterior ao início das atividades, faz jus o gozo da recuperação judicial. Aliada a interpretação do citado artigo, a mencionada decisão alude e ressalta sobre a função social da recuperação judicial.
De mesmo modo, contemporânea à decisão do produtor rural, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar a apelação nº 5000461-37.2019.8.21.0008, da AELBRA (caso ULBRA) – anteriormente constituída como associação – reafirmou o entendimento do STJ, uma vez que entendeu ser necessária, tão somente, a comprovação do efetivo exercício regular da atividade por período de dois anos, mesmo que tal atividade não tenha sido exercida como atividade empresária. Ou seja, independente do período do registro empresarial; determinando, assim, o deferimento da recuperação judicial.
Outro caso emblemático, cujo deferimento da recuperação judicial ocorreu no ano presente, é o do Grupo Candido Mendes. Contudo, adotando estratégia diversa dos outros precedentes, a recuperanda ingressou em juízo como associação (sem promover a alteração do tipo societário), fundamentando ser um agente econômico que se alinha aos dizeres do artigo 47 da Lei nº 11.101/05. Deferindo o pedido de recuperação judicial, a magistrada da 5ª vara Empresarial do RJ, exarou em sua decisão: Daí que deve prevalecer o entendimento de que a feição empresarial da pessoa jurídica não fica adstrita à mera natureza jurídica do agente econômico. A atividade da ASBI pode não estar formalmente enquadrada como empresarial, mas trata-se, sem dúvida, de atividade que se adequa à definição do art. 47 da LRF. A vida comercial flutua nas águas das transformações socioeconômicas, adaptando-se aos tempos.
A evolução decisória relativa a aceitação da recuperação judicial de sociedades não empresárias, ao nosso sentir, revela a adequada interpretação do sistema normativo da recuperação judicial, cuja principiologia se reveste na preservação da atividade econômica viável, com o fito precípuo de resguardar a fonte produtora de bens, serviços, empregos e riquezas, bem como o interesse dos credores; ou seja, seu fim social.
Por fim, salientamos que em nosso cotidiano, as sociedades não empresárias, como agentes econômicos, produzem bens e serviços em uma gama exponencial de seguimentos, tais quais: hospitais, clubes sociais e esportivos, associações culturais, assistenciais entre outras. Logo, a preservação e a assistência legal de soerguimento, por meio da recuperação judicial, se faz deveras primordial. E, como gostamos de lembrar, o direito não socorre quem dorme.
Daniel de Andrade Neto.